Saída de Teich reacende alerta entre empresários: ‘Pandemia política’
A saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde reacendeu o alerta entre empresários sobre o grau de confiança no Brasil para o combate à pandemia do novo coronavírus. Executivos dão mostras de desconforto com a falta de coordenação entre a pasta e a Presidência da República.
Na última sexta-feira, uma entrevista de Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e América Latina, ao jornal Valor Econômico deixou evidente sua frustração: o atraso na retomada da economia por conta da ausência de ações coordenadas no combate à Covid-19 entre os governos federal, estadual e municipal. “É uma tristeza o que estamos vendo”, disse.
Ele não está sozinho. Para o presidente da BGC Liquidez, Ermínio Lucci, a declaração de Schiemer “expressa um pouco a visão de todos os empresários de que falta credibilidade ao Brasil”.
“Não é nem só o fato de dois ministros serem mandados embora em menos de um mês, é a falta de foco na gestão da saúde no Brasil, de se ter uma unidade [de estratégia], já que não há uma consonância entre o executivo federal e o executivo de estados e municípios para combater a pandemia”, destacou Lucci.
O empresário destacou que, enquanto alguns países já estão reabrindo a sua economia, no Brasil ainda é discutida a possibilidade de se decretar o chamado lockdown, com regras mais rígidas de isolamento social, apontando o atraso do Brasil no combate à doença.
“Isso, realmente, tira o incentivo de qualquer empresário de investir no país. Isso afeta a credibilidade do poder público. O que isso significa na prática é menos investimentos nos próximos trimestres”, disse Lucci.
Para ele, planejar o futuro é a maior vulnerabilidade do empresário brasileiro no momento.
“O fato de a gente ter que lidar com uma crise econômica e de saúde sem precedentes nos últimos 100 anos, somado a uma crise política, ao não entendimento entre os poderes de cada ente da federação, isso vai, por um bom tempo, abalar a confiança dos empresários”, reiterou o presidente da BGC.
Paulo Castello Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei), também vê prejuízos para os investimentos.
“Quando nós vemos um fato como esse (saídas de Mandetta e Teich) isso confirma que o que Brasil está vivendo é realmente um pesadelo. Investidores estão muito atentos com o que está acontecendo no Brasil e isso atrapalha a retomada da economia que já vinha em uma situação difícil”, afirma.
“Já havia uma cautela por parte dos investidores antes da pandemia e esse cenário político dificulta ainda mais. O investidor estrangeiro e interno também olha para o Brasil então vê nenhuma previsibilidade para poder investir. Essa pandemia política está prejudicando a retomada dos investimentos”, aponta.
“O ministro da Saúde neste momento teria que ter autonomia para conduzir a gestão do problema. E fazer isso em coordenação com estados e municípios”.
Impacto ruim para a imagem no exterior
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, a troca de comando do Ministério da Saúde nesse momento crítico da pandemia traz impactos para a imagem no Brasil no exterior.
“Essa falta de coordenação é muito ruim num momento tão delicado. Mas eu acredito que o Brasil também é visto no exterior como um país que tem bons nomes para exercer essa função (de ministro da saúde)”, afirma Barbato.
“É lamentável que tenha ocorrido a substituição, não fico nem um pouco contente com isso e a repercussão não é boa internacionalmente.”
Ele avalia, no entanto, que o Brasil vai seguir atrativo para o investimento internacional depois que a pandemia for superada. “Somos a oitava maior economia do mundo ainda. Eu não esqueço o potencial que o Brasil tem. O país é uma das grandes oportunidades para o mundo.”
Fugindo da incerteza
Uma pesquisa feita entre presidentes, CEOs, sócios e diretores de empresas pela Amcham-Brasil mostra que 47% dos associados acreditam que a coordenação entre todas as esferas do poder público, do setor empresarial e da sociedade é a ação mais importante para enfrentar o coronavírus.
É possível que os números sejam maiores, pois sondagem foi feita entre 8 e 19 de abril, período em que Luiz Henrique Mandetta balançava no cargo. Um mês depois, o ministro havia sido demitido e o sucessor, renunciado.
A falta de previsibilidade sobre o rumo do Brasil no enfrentamento da pandemia retrai a disposição de investimento dos empresários e afugenta investidores estrangeiros. Não à toa, as expectativas dos analistas de mercado para a economia já apontam queda de 5,12% do PIB e dólar na casa dos R$ 5,28 no final do ano.