Até onde vão os limites da beleza? E até que ponto as pessoas podem chegar para alcançar a chamada perfeição? Quais os perigos? Esse mundo, ao mesmo tempo atrativo, esconde riscos capazes de levar à morte. A influencer e modelo Aline Ferreira, 33 anos, morreu após passar por um procedimento de preenchimento no glúteo com a substância chamada polimetilmetacrilato (PMMA), contraindicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aplicação nas nádegas. A biomédica responsável pelo serviço, Grazielly da Silva Barbosa, foi presa nesta quarta-feira (3/7) pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO). Aline será sepultada nesta quinta-feira (4/7), no Gama.
Aline passou pelo procedimento na clínica de estética Ame-se, localizada no bairro Alameda P 2, Setor dos Funcionários, em Goiânia, e de propriedade de Grazielly, em 23 de junho. O estabelecimento funciona desde novembro do ano passado e aparece como situação cadastral “ativa” no site da Secretaria da Fazenda. No local, segundo familiares e amigos, a influencer foi submetida ao procedimento de aplicação de PMMA no glúteo, um preenchedor em forma de gel.
De acordo com os parentes de Aline, ela retornou para Brasília e, dias depois, começou a se sentir mal, com febre e dor de barriga. Quatro dias após a intervenção estética, ela desmaiou. Foi levada ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e, em 28 de junho, sofreu uma parada cardíaca. Os familiares decidiram pela transferência da modelo para um hospital particular do DF, mas, dia 30, teve outra parada cardíaca. Na última terça-feira, não resistiu e morreu. A causa do óbito foi infecção generalizada.
Amigos e conhecidos da jovem falaram à reportagem que Aline permaneceu de repouso e de bruços. Por isso, eles acreditam que a infecção tenha relação com o produto utilizado pela médica. O caso está em investigação pela polícia.
Nesta quarta-feira (3/7), uma operação conduzida pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (Decon) de Goiânia com a Vigilância Sanitária do estado, prendeu a biomédica Grazielly por crimes contra as relações de consumo. A Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO) informou que só dará mais detalhes sobre a prisão em coletiva de imprensa marcada para hoje. A reportagem tentou contato com a defesa, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Ao Correio, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do estado vizinho afirmou que a clínica de Grazielly foi interditada pela Vigilância Sanitária por falta de alvará sanitário e de apresentação de responsável profissional com habilitação técnica.
A reportagem também procurou o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBM-3) para saber se a biomédica Grazielly Barbosa tem o registro profissional. Em nota oficial, o Conselho esclareceu que não foi encontrado nenhum registro em nome de Grazielly da Silva Barbosa. “O CRBM-3 informa ainda que possui um canal de denúncias no site, acessível a qualquer pessoa que queira formalizar a sua queixa”.
Com pouco mais de 45 mil seguidores, Aline trabalhava como modelo fotográfica e firmava parcerias e contratos com diversas marcas de roupas, biquínis e centros de beleza. A morte da influencer pegou todos de surpresa, entre familiares, amigos e aqueles que a viram crescer no Gama, cidade onde nasceu.
Aline era casada e tinha dois filhos, frutos de outro relacionamento. No perfil oficial da modelo, uma publicação com uma mensagem de pesar foi deixada. “A família e amigos lamentam profundamente esta perda tão dolorosa e irreparável. Aline era uma menina sonhadora e sempre sorridente, e é assim que devemos lembrar dela. Pedimos a Deus que conforte o coração de todos.” A modelo será velada entre 9h e 11h de hoje, no Templo Ecumênico do Cemitério do Gama.
Na incansável e, muitas vezes, maléfica busca pela perfeição, pessoas têm, comumente, recorrido às alternativas consideradas mais acessíveis e, na ânsia pela mudança, colocam o peso dos riscos em segundo plano. Fábio Alves Sobrinho, dermatologista do Hospital DF Star, explica que é preciso muita cautela na hora de selecionar um profissional para realizar um procedimento estético, seja ele invasivo ou não.
O profissional orienta que todos os procedimentos que envolvem tanto a parte estética quanto de doenças de pele, sejam realizados apenas por médicos, de preferência dermatologista ou cirurgiões plásticos, e alerta que preços abaixo dos valores estipulados pelo mercado são indícios de que algo pode dar errado. “No site do Conselho Federal de Medicina (CFM) é possível consultar a área de atuação dos médicos, pelo nome ou pelo CRM do profissional. A gente dá preferência, também, para aqueles profissionais que têm Registro de Qualificação de Especialidade (RQE), que é o documento que atesta a formação em determinada especialidade médica”, informa.
Segundo informações apuradas pelo Correio, o procedimento estético pelo qual Aline foi submetida teria sido uma suposta aplicação do PMMA (polimetilmetacrilato), gel injetável que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda apenas em casos de desenvolvimento de deformidades corporais causadas por doenças graves, como a poliomielite. O dermatologista alerta que esse é um procedimento invasivo não indicado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e de Cirurgia Plástica, que jamais deve ser feito por um biomédico.
Substância por trás de diversos procedimentos que deram errado, o PMMA não é absorvido pelo corpo, segundo o especialista. De acordo com o médico, quando injetado, pode provocar resposta inflamatória no organismo. “O sistema recebe a substância como um corpo estranho e isso pode causar necrose, inflamação, deformações e risco de insuficiência renal”, destaca.
O médico pondera que aqueles procedimentos julgados como “simples”, como os preenchimentos com ácido hialurônico, também podem oferecer riscos, se aplicados por pessoas não capacitadas . “O preenchimento, de forma geral, exige que o profissional tenha conhecimento amplo de anatomia, funcionamento de musculaturas e das regiões por onde passam vasos sanguíneos, porque se o ácido hialurônico for injetado dentro de alguma artéria pode haver uma oclusão do vaso, impossibilitando o fluxo sanguíneo na região e gerando um quadro de necrose.”
Deformações e mortes
Em fevereiro deste ano, a dentista Hellen Kacia Matias da Silva virou ré da Justiça de Goiás. Ela foi acusada de deformar pacientes após a realização de procedimentos estéticos, em Goiânia. Desde 2020, Hellen exercia a profissão de forma irregular. À época, a denúncia do Ministério Público de Goiás apontou que a dentista excedia os limites autorizados pelo Conselho Federal de Odontologia.
Em maio deste ano, a empresária Fábia Portilho, 52 anos, dona de um hotel em Goianésia (GO), morreu após passar por cirurgias plásticas em Goiânia. Ela havia sido submetida a uma mamoplastia e uma lipoaspiração. A empresária morreu quatro dias depois de ter sido operada, em 7 de de maio, em decorrência de um tromboembolismo pulmonar gorduroso e choque obstrutivo. À época, a família denunciou que houve negligência médica e falta de socorro.
Em junho de 2022, Elieni Prado Vieira, de 56 anos, morreu 27 dias após fazer uma lipoaspiração em um hospital do Lago Sul, ela apresentou sangramento e mal-estar no terceiro dia pós-operatório. Após 15 dias internada na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Ancheita, em Taguatinga, o óbito foi confirmado. A família registrou boletim de ocorrência e denunciou o médico por negligência.
Correio Braziliense